João Marcelino: Um homem de teatro.
FOTO: BRUNNO MARTINS
O carismático João Marcelino, diretor, figurinista,
cenógrafo, maquiador e ator, um verdadeiro homem de teatro, nos recebeu com
muito entusiasmo em seu ateliê, ressalta-se, riquíssimo de historicidade de
seus trabalhos. Sentiu-se lisonjeado em participar da construção desse trabalho
e se mostrou receptivo a compartilhar sua trajetória. Conheça um pouco mais
sobre o artista potiguar:
João Marcelino nasceu a 15 de julho de 1959, em Macaíba – Rio Grande do Norte - Brasil. É filho da
professora, modelista e costureira, Maria Isaura Alves do Nascimento e de José
Marcelino de Oliveira. Estudou na Escola Internacional de Antropologia Teatral
– ISTA, com o mestre italiano Eugênio Barba. Iniciou os estudos de pintura com
a mestra Natércia Leiros. Estudou desenho, pintura e aquarela, com o professor
Alcides Sales na Oficina de Gravura Rossine Perez. Estudou canto lírico, técnica
vocal e musicalização com a soprano brasileira Atenilde Cunha e com o tenor
italiano Nino Crimi, na Escola de Música da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte. Estudou maquiagem artística na Maison Payot de São Paulo. Estudou
dança clássica com o màitre Roosevelt Pimenta, no Ballet Municipal de Natal.
Reverência aos mestres populares que ensinaram-lhe os caminhos da arte:
Mamulengueiro Chico Daniel, ventríloquo Seu Chaves, mestra do Fandango Dona
Maria das Bolsas, Dona Lalinha, mestra do Reisado e ao grande estudioso do povo
brasileiro Luiz da Câmara Cascudo. Como, participou de 125 espetáculos de
teatro dentre os quais dirigiu 56, recebendo 25 prêmios nacionais e 01
internacional. Começou no teatro em 1980 e atua como diretor, dramaturgo, figurinista
e cenógrafo.
Ao começar a conversa João Marcelino ficou à vontade
para falar de si e disse:
Eu sempre acho que eu não tenho muito a contribuir, dentro das minhas expectativas, de mim comigo mesmo. Então a minha produção, o que eu faço hoje, ela não foi programada, eu não estudei para isso, eu não venho de uma formação de cenógrafo, de figurinista. Eu fui estudando aquilo que me pediam para fazer. Havia uma deficiência no teatro potiguar quando eu estava começando, apenas tinham costureiras. Então o diretor dizia assim: “gostaria que você fizesse isso aqui”. Eu gostaria muito de ter tido a sorte que vocês têm hoje, que é de frequentar a universidade, eu gostaria muito. Ou eu ia para a universidade, ou eu não iria viver. Ou eu ia para a universidade, ou eu ia comer. Eu precisava trabalhar. Eu preferi ir para o trabalho. Meter a cara mesmo sem saber, para fazer as coisas, trabalhar e poder dizer “opa! dá para tomar o café da manhã e dá para jantar antes de dormir”, tipo isso.
Partindo para as perguntas que o grupo preparou, João, mostrou-se empenhado em responder esses questionamentos abaixo. Para conferir a entrevista na íntegra, clique aqui. (Indisponível no momento)
Fale sobre o seu processo de criação:
Eu olho para o papel em branco e rabisco, rabisco, rabisco... quando eu não rabisco eu vou para outra coisa. Eu gosto muito de origami. Eu gosto muito de pegar papel, cortar, colar. Acho que é herança da infância. Mas o desenho sempre foi algo muito presente na minha vida. Foi a minha primeira manifestação artística, à bem da verdade o desenho. Primeira coisa que eu fiz foi pintar uma tela a óleo, participei de exposições, de coletivas, exposições individuais, enfim... Eu faço várias cópias desse espaço da cena (Cenografia do espetáculo Chuva de Bala no País de Mossoró, fotos abaixo), e vou colorizando e vou preencher esse espaço. Eu nunca gostei muito de trabalhar com o realismo na cenografia ou na direção, então, a representação do irreal sempre me atraiu muito mais, principalmente se tem realismo fantástico. Esse processo é uma coisa que me encanta absolutamente. Essa brincadeira do "eu sozinho" antes de levar para o elenco, eu sempre levo possibilidades, pode ser que elas não funcionem, pode ser que eu descarte todas elas, mas eu tenho uma necessidade que é inerente ao meu fazer. Isso para falar de uma possibilidade de processo.
CROQUIS DO PROCESSO DE CRIAÇÃO DO ESPETÁCULO CHUVA DE BALA NO PAIS DE MOSSORÓ APRESENTADO NO ANO DE 2005
O
que você busca enquanto artista?
Eu persigo as conquistas dos poetas, eu persigo em cena aquilo que os poetas fazem num verso, a capacidade de um poeta colocar no verso toda uma história, eu persigo isto. Eu tenho ambição. Em uma cena ter capacidade de comunicar coisas, sem uma palavra apenas através de uma imagem, fazendo poesia. (...) eu preciso me mover a partir de algum mote poético. E por que não uso realista? Todo mundo já fez, todo mundo há de fazer. O cinema que é lugar para trabalhar com realismos. Eu acho que a minha função dentro do teatro, dentro desse espaço é fazer, é colocar as pessoas para refletirem a partir da minha visão. Por que que se monta tanto Hamlet e cada vez que se monta Hamlet se ver de uma maneira diferente? Enquanto espaço da ação, enquanto atuação, linguagem, estética... cada pessoa monta porque cada pessoa ver diferente. Eu persigo esses, esses que fazem dessa maneira.
Quais
são as suas inspirações?
Qual o estilo das suas produções?
Quando penso na criação da cena, na criação do vestuário, eu acho que a minha inspiração ela vem de tantos lados, de tantas fontes, eu tenho muitas fontes. Exemplo: Cristian Lacroix, é uma inspiração para mim. Alta costura é uma inspiração. Eu vejo um programa de tv, um documentário, eu sigo no twitter ou no instagram esse povo, então assim, quem é bom? Quem fez coisas boas? Quem faz coisas boas? eu preciso me inspirar nessas pessoas boas. Eu não posso me inspirar naquela criatura hmmmmm... e até me inspiro naquele mais simplesinho, eu olho e digo assim: “Ele tem um proposito, ele tem uma ideia, ele tem um estilo, ele não tem ainda a ferramenta, compreende? Ele não tem o conhecimento. O que é técnica? É conhecimento, é ferramenta. Isso, a ferramenta, ela vem de vários lugares, vem desde um livro que você vai pra uso tanto na universidade, tanto na biblioteca, google, o mundo inteiro. Mas há inspirações preciosas, há figurinistas e cenógrafos do mundo que eu olho com todo o cuidado. Exemplo fotografia, eu amo a fotografia de Carrieri, amo, eu olho para a fotografia de Carrieri e vejo cenário, eu vejo figurino, eu vejo peça, eu vejo filme... eu digo “Meu Jesus!” Eu olho para fotografia dele e digo “esse homem pensa!” Quem é que eu quero chegar perto, quem é que eu busco e me inspiro, são pessoas que pensam. Eu fico querendo chegar perto de pessoas que tenham pensamento, que tenha ideias. Para que a gente se iguale, para que a gente aprenda. Ettore Scola é uma aula de cenografia, de figurino, é só você botar olho, é só você abrir o ângulo de campo de visão.
Qual o estilo das suas produções?
Quando se fala em estilo é algo tão complexo. Primeiro que eu não me vejo cenógrafo, eu sou um artista de teatro, aí eu sei que sou. Sou um artista de teatro que fica pelejando junto aos companheiros, junto ao coletivo para construir uma narrativa. Eu não gostaria de fazer uma definição porque a cada peça eu experimento algo diferente. E na hora que eu me defino eu acho que eu vou está mantando as minhas buscas, as minhas aspirações, aquilo que eu quero.
O que você acha do mercado de trabalho do RN?
Eu acho que o mercado de trabalho não é um mercado ainda consistente, a palavra não é consistente, eu vou encontrar a palavra ainda. Não é um mercado que a gente considere que tem espaço para muita gente. A gente sobrevive com muitas dificuldades. Muitas vezes eu termino assinando vários itens dentro de um projeto, não é por outra razão, a não ser fator econômico. Então a questão do mercado de trabalho, ele ainda está em construção. Eu acho que novas gerações podem vir a mudar isso. É claro que quem tem algum trabalho consistente consegue fazer algo para a dança, para o teatro, para comercial de tv. Eu já fiz vitrine. Tem algo mais escandaloso pra um cenógrafo do que ser vitrinista? É espetacular! Você ter uma vitrine pra compor, é algo e tanto para o figurinista. Eu fui vitrinista, é algo que ninguém sabe, eu acho. Fazer vitrine é maravilhoso! A cenografia ela tem uma importância fundamental porque é o espaço da ação, é a primeira coisa vista. E quando eu falo em espaço não é só o espaço no conceito teatral, é o espaço da ação em todas as artes cênicas.
Durante a conversa, João Marcelino falou do processo criativo de algumas de suas produções. Dentre elas, destacam-se, as edições do Chuva de Bala no País de Mossoró, Viagens aos Campos de Alfenim, Meu Seridó, e a sua mais nova produção Terra do Descobrimento.
Mas nós pedimos para que ele adentrasse mais profundamente na construção cenográfica do espetáculo Meu Seridó. Confira abaixo.
TRECHO DO ESPETÁCULO CHUVA DE BALA NO PAÍS DE MOSSORÓ APRESENTADO EM 2017
FOTO: CEDIDA. http://www.omossoroense.com.br/companhia-a-mascara-de-teatro-supera-limitacoes-e-abre-temporada-em-mossoro/
CENA DO ESPETÁCULO VIAGEM NOS CAMPOS DE ALFINIM
FONTE: YOUTUBE. TEASER DO ESPETÁCULO VIAGEM AOS CAMPOS DE ALFENIM
MAQUETE PARA O PROCESSO DE CRIAÇÃO DA CENOGRAFIA DO ESPETÁCULO A TERRA DO DESCOBRIMENTO
Mas nós pedimos para que ele adentrasse mais profundamente na construção cenográfica do espetáculo Meu Seridó. Confira abaixo.
FOTO: BRUNNO MARTINS
Na direção de arte eu poderia ter dividido tarefas. O diretor de arte ele pode dividir tarefas se ele não tiver condições de levar tudo. Eu poderia ter dado o figurino a alguém, mas como eu bem falei, a gente não tem essa grana e tínhamos que fazer. Eu terminei fazendo o figurino, a cenografia, o adereço, a caracterização, o que está no âmbito do visual. O que chega ao público silenciosamente através dos olhos, não do movimento em si, mas da construção, da arquitetura da cena foi eu que pensei. E esse pensamento se dá naturalmente dentro de um coletivo, eu não sabia que ia fazer em absoluto. Os atores eles dobram papeis, e eu precisava construir um conceito, quem é que conta a história, porque não estava claro até o momento que a gente encontra dentro do coletivo. Eu disse “beleza, a ação acontece dentro da cozinha de tia Chiquinha”. Enquanto cenografia eu precisava ser ao máximo possível, usar de sutilezas, não deveria empanturrar a cena cenograficamente, a construção de um espaço que determinasse o lugar e não determina o lugar se você chega e olha, não determina o onde. É um não lugar praticamente.
O seridó é a região mais rochosa, mais construída sobre pedras. Eu disse “Esse chão é o lajeiro do seridó". Então porque não contarmos essa história sobre um lajeiro. O diretor falava para mim desse fundo infinito ser o crepúsculo, e quando você começa a pensar uma coisa é o plano da ideia, outra é o plano da realização. Quando chega no plano da realização eu pensei assim:“Não tem mais grana para comprar". E eu começo a improvisar para começar os ensaios aqui (Tecesol). As luzes que tem em cima chamam-se nebulosa, que é o céu do sertão. Aí eu comecei a ver o colorido do vestuário e o colorido desse painel, é muita informação, é muito elemento. Então achei que era preciso mudar, se a gente colorizar, se a gente colocar um elemento para contribuir com a narrativa talvez atrapalhe, e esse painel não estava sozinho, a gente preenche ele de molduras, e era legal que tivesse a sensação de flutuação, daqueles recortes, daqueles quadros soltos pelo espaço. Por fim eliminamos o colorido, o crepúsculo e fechamos com o preto.
PRIMEIRO PROJETO DE MAQUETE PARA O CENÁRIO.
FOTO: BRUNNO MARTINS. NEBULOSA - CÉU DO SERTÃO
As molduras elas vão a exemplo de objetos da cena, de todos os objetos que vão sendo solicitados, a cena vai pedindo. Havia uma necessidade de algum objeto que pudesse contribuir com a construção dessa narrativa. Como se fosse um álbum de memorias, mas sem ser um álbum de memorias. Como se as figuras saíssem dos quadros da parede, dos retratos da parede e saíssem para contar a história. Mas sem precisar ser literal, apenas você da um sinal, dizer “Olha pode ser que essas figuras saíram dai de repente”. Deixar aberto, não fechar muito a ideia. Elas são descoladas, eles vieram para cá para que gente construísse o dispositivo de parafusarem para montar e desmontar para poder fazer o transporte delas para os lugares. Então as molduras se desmontam, tal qual as treliças que sustentam o cenário como um todo e a iluminação. Como é que nascem as coisas, não é? Não é maluco? Às vezes você vai para o papel e produz, alguns projetos acontecem, eu já fiz coisas assim, de elaborar e fazer tal e qual o que está no croqui, o que ta na maquete. E há outros que não, outros há a liberdade de você ir construindo, ampliando, melhorando a qualidade da criação.
FOTOS: BRUNNO MARTINS. USO DAS MOLDURAS EM CENA.
O diretor me diz: eu quero uma mesa, a mesa da cozinha de tia Chiquinha. Comecei com duas madeiras com uma tabua em cima para os atores experimentarem, ai eu comecei a desenhar. No Pinterest tem os desenhos todos, passo a passo. No Pinterest eu disponibilizei tudo isso, tem outros estudos de cenografias também. Mas ai o diretor me pede para ter outro objeto, para o momento em que as personagens se tornavam índias, e elas precisam de uma estrutura para dar sentido aquilo. Ai já era outra demanda do diretor, as demandas do diretor foram me colocando a prova. Eu coloquei o desenho aqui em cima, e o objeto foi se transformando, cara. Ele se transforma em um espaço onde o Português sobe, a mesa, e eu queria também que fosse uma pedra do lajedo, para que eles pudessem subir em cima no final, quando eles dizem estar sobre o lajedo. Aquela imagem da mesa, onde estão todos sentados é linda, pra mim, foi uma das coisas mais lindas que eu já fiz, e pra mim, é a imagem que define a peça, é a ceia larga, cristã. Que é a ideia de fazer uma mesa assimétrica, não é uma mesa comum. É uma mesa, mas tem outra perspectiva, você tem um ângulo... Eu ia colocar um monte de copo em cima, mas o tempo não dava, então ficou só uma chaleirazinha em cima. Um bulezinho que tia Chiquinha manipula. Esse objeto é um armário, ele é uma casa (na cena do judeu), se transforma também na oca dos índios, ela vira barco na cena dos portugueses. Esse objeto parte muito daquilo que eu gosto muito de praticar no teatro, que é um conceito muito brechtiano. Brecht diz uma vez que um objeto vale como um só objeto, quando o objetivo reside somente nisso, um objeto vira vários objetos quando o objetivo é transformação. É mais ou menos isso, eu tenho essa frase está anotado em algum caderno de montagem, mas enfim, é uma proposta brechtiana. De que aquele objeto da ação, da cena, ele pode ser múltiplo. Isso vale pra tudo. Isto também está em Lavousier: na natureza nada se cria tudo se transforma.
FOTO: BRUNNO MARTINS. OBJETO CÊNICO COMO BARCO.
FOTO: BRUNNO MARTINS. OBJETO CENICO COMO BARCO.
FOTO: BRUNNO MARTINS. OBJETO CÊNICO COMO OCA DE ÍNDIOS.
Para finalizar o nosso momento de troca, pedimos para que João Marcelino mandasse um recado para aqueles que estivessem iniciando (ou que tem interesse) nesse complexo mundo da cenografia. E ele cordialmente e sabiamente nos deixa essas sinceras palavras:
“Navegar é preciso, viver não é preciso”
Fernando Pessoa
Discentes
Jose Lucas dos Santos Dantas
Dennis Emanoel Xaxá
Amanda Majui
Brunno Vinicius
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